Neurovirtual: Conte-nos sobre sua trajetória profissional e acadêmica. Como foi sua especialização em epilepsia?
Dr. Callejas: A neurociência foi algo que sempre me atraiu desde a licenciatura. Talvez a única decisão que tomei tenha sido escolher entre ciências básicas ou clínicas. Porém, ambos os aspectos sempre estiveram presentes: o sono e a epilepsia. Comecei justamente trabalhando com um modelo animal que avaliava ambos transtornos. Durante o serviço social tive a oportunidade de estar em um centro de neurofisiologia clínica e foi ali que decidi pela parte clínica, ou seja, assistir os pacientes, as pessoas.
Ou seja, a mesma formação em neurologia me levou à neurofisiologia clínica. E graças à orientação dos meus professores consegui me aproximar do mundo da epilepsia. As universidades sempre nos deram apoio para poder aceder a bolsas e ir ao estrangeiro para formações, não só em neurofisiologia, mas também em vídeo encefalogramas. Tivemos a oportunidade de passar um tempo no Centro Clínico de Epilepsia Cleveland (EUA). Também passamos um tempo na Alemanha. E foi ali que conhecemos o grupo, digamos internacional, da Liga Contra a Epilepsia, que nos deu acesso aos cursos que eles oferecem na América Latina, especificamente no Brasil, e na Europa, ministrado na Itália.
Então, a comunidade (médica) nos apresentou um grande leque de oportunidades para nos desenvolvermos, tanto no mundo da epilepsia quanto do sono, quase naturalmente.
Neurovirtual: Quais são as relações que podem ser estabelecidas entre a epilepsia e os distúrbios do sono?
Dr. Callejas: Se considerarmos que a epilepsia é uma doença que nos acompanha ao longo da vida, e que em mais de um terço da vida estamos dormindo, então se entende que essa relação é intrínseca. E essa atividade elétrica irregular presente no cérebro, muitas vezes fragmenta as fases normais do sono.
Por isso, no dia a dia, na clínica, é muito comum encontrar pessoas com epilepsia que também sofrem com problemas de sono. E, é claro, a existência de distúrbios do sono não relacionados com a epilepsia também é muito alta. Em populações latino-americanas, estima-se que seja pouco mais de 30% da população.
Portanto, a probabilidade de ter algum transtorno de sono, além do diagnóstico de epilepsia, e que ambos não estejam relacionados é alta. E o que estamos fazendo agora, graças aos fóruns, conferências, cursos e divulgações, é enfatizar que temos que procurar intencionalmente os distúrbios do sono naqueles já diagnosticados com epilepsia.
Neurovirtual: A epilepsia noturna geralmente ocorre durante a infância ou adolescência, quais são os principais efeitos a longo prazo para quem sofre com esse transtorno?
Dr. Callejas: Bom… esse tipo de epilepsia, além de ser frequente nessas idades, quero enfatizar, é também muito frequente em adultos e idosos. E, talvez, a diferença é que dependendo da fase da vida, sua manifestação pode alterar.
Mas, começando pelas crianças, o problema tem a ver sobretudo com o desempenho escolar. Já houve várias avaliações em diferentes países que mostraram que mesmo quando as crianças se tornam adultas, se não recebem cuidados relevantes, tendem a ter menor taxa de empregabilidade, por exemplo. E isso nos preocupa muito porque temos que garantir que o sono seja adequado durante o crescimento e desenvolvimento das crianças para que sua educação permita que elas, quando adultas, sejam incorporadas a uma vida que chamamos produtiva.
Neurovirtual: E quais são as principais dificuldades enfrentadas pelos pacientes com epilepsia durante o sono?
Dr. Callejas: A primeira é a falta de reconhecimento. As manifestações diurnas, que aparecem ao longo do dia, normalmente são atribuídas a qualquer outra causa. Talvez fadiga, estresse ou ansiedade. Sem levar em conta que poderia ser um diagnóstico de epilepsia, ou seja, que a própria epilepsia esteja causando problemas de sono. Muito do que falta é fazer esse reconhecimento, e como eu disse, fazer uma análise intencional por distúrbio do sono em quem já possui o diagnóstico de epilepsia.
Neurovirtual: Você poderia nos contar quais são as dificuldades enfrentadas para chegar a um diagnóstico?
Dr. Callejas: Bom… talvez o que mais nos aflija no ambiente em que estou trabalhando neste momento, ou seja, em meu país, México, seja o acesso aos recursos de saúde. Isso era algo que tivemos como comunidade internacional, mas que aqui no México ainda estamos tentando fechar essa lacuna de diagnóstico. Não apenas a lacuna de tratamento, mas a de diagnóstico também. Então, eu resumiria assim: ainda que estejamos tentando mudar, é difícil o acesso a estudos diagnósticos. Estamos, insisto, com o apoio das organizações e academias médicas, dedicados a tornar esses estudos acessíveis à população em geral.
Neurovirtual: Quando falamos de pacientes que apresentam crises epilépticas, existe algum protocolo especial para a realização desses exames durante o sono? Existem alguns cuidados especiais que devem ser levados em consideração?
Dr. Callejas: Bom, o que nos interessa é que as pessoas entendam quão importante é fazer esse estudo. Quando conversamos, gosto particularmente de conversar com o paciente epilético e seus familiares sobre detalhes dos exames, como sensibilidade e especificidade.
É algo que normalmente reservaríamos apenas para o pessoal da área da saúde, porém, ao compartilhar essas informações com as pessoas que têm epilepsia e sua família, faz com que compreendam a importância de se fazer estudos abrangentes.
Quando queremos avaliar o sono, tem que ser um exame que abranja toda a noite. Para que possamos, até para fins diagnósticos, embora possa parecer contra-intuitivo, identificar uma crise durante o exame. Isso acaba sendo o ideal para o diagnóstico de epilepsia noturna. Ou o registro de fragmentações nas fases do sono por uma noite, que acaba por diagnosticar problemas de sono associados à epilepsia. Então, mais importante que falar sobre as medidas necessárias e os protocolos de segurança -que obviamente existem- aplicados durante o estudo, é bastante recomendável, tanto para o paciente quanto para sua família, explicar a importância de se fazer um estudo completo.
Neurovirtual: A epilepsia do sono pode estar acompanhada de distúrbios psicológicos como ansiedade ou depressão?
Dr. Callejas: A resposta curta é sim. E é porque o lugar anatômico é o mesmo, ou seja, frequências no campo que utiliza o lobo temporal são as mais frequentes. E, claro, nessas estruturas estão a amígdala, o hipocampo… que tem a ver com a memória, com a ansiedade e com o estado de espírito.
Por isso, é muito comum que pessoas diagnosticadas com epilepsia tenham um risco maior de desenvolver ansiedade ou depressão. Para aqueles que possuem distúrbio do sono, o risco de ter ansiedade e depressão é o dobro.
Então, nos casos em que esses dois coexistem -transtornos do sono e epilepsia- a probabilidade de ter ansiedade e depressão é muito alta. E o que interessa é, mais uma vez, a identificação precoce. Ou seja, na primeira consulta, no primeiro momento e nos retornos, estar sempre procurando intencionalmente por sintomas de ansiedade e depressão. Agora existem questionários muito curtos. Dois minutos são suficientes para identificar ansiedade ou depressão em pessoas com epilepsia.
Neurovirtual: Houve um grande aumento no número de diagnósticos de distúrbios do sono devido ao ambiente pandêmico em que nos encontramos. Você também vê um aumento nos casos de epilepsia noturna?
Dr. Callejas: Já estamos vendo, na verdade, já foram feitos estudos, através de questionários validados. Pelo menos aqui no México sabemos que, por conta da pandemia, as estatísticas de transtornos de humor subiram de 27% para 60%. E esses números se refletem independentemente do diagnóstico. Ou seja, estamos vendo o mesmo número, o mesmo aumento de casos em quem já tem diagnóstico de epilepsia. E muitas vezes , na consulta do dia a dia, estamos identificando pessoas que vieram devido a um transtorno do sono desencadeado pela ansiedade ou depressão, mas que realmente tinham epilepsia não motora subjacente que não havia sido diagnosticada, por exemplo.
Neurovirtual: Trabalhar com a equipe Neurovirtual facilitou o diagnóstico?
Dr. Callejas: A resposta curta é sim. E isso é porque nos permite fazer um vídeo-eletroencefalograma com polissonografia ao mesmo tempo. Então temos a oportunidade de em 9 horas ver a atividade elétrica do cérebro de uma pessoa enquanto ela dorme . O que não só nos ajuda a ver os estágios, as fases do sono, que são tão importantes na avaliação dos transtornos, mas também nos permite aumentar a sensibilidade desse mesmo encefalograma em até 94%.
Neurovirtual: Você poderia nos contar sobre sua experiência até agora?
Dr. Callejas: Bastante bem, eu diria. Se me permite dizer, nossos técnicos também se sentem muito à vontade usando os equipamentos Neurovirtual. Eles são bastante intuitivos, bastante amigáveis, e talvez o ponto-chave seja o suporte 24 horas por dia, 7 dias por semana, o que muitas vezes possibilita aos médicos se afastarem por um momento e resolverem algum problema que o técnico possa enfrentar durante um estudo no meio da noite, facilitando muito o dia a dia.
Neurovirtual: Você recomendaria a marca Neurovirtual?
Dr. Callejas: Sim, a resposta curta também é sim. Nos ofereceu, insisto, não só a possibilidade de formar os nossos colaboradores, como também facilitar o trabalho diário. Precisamente, como comentei antes, tornando acessível os estudos no final do dia, e tendo em um único momento, em um único estudo, em uma única noite, um diagnóstico diferencial. “Estamos enfrentando um transtorno de sono? Estamos diante de um diagnóstico de epilepsia? Talvez sejam ambos?” Ficou muito mais fácil fazer as duas avaliações em um único exame.
Neurovirtual: Em sua entrevista ao Líder Empresarial, em 2020, você comentou sobre o projeto de inclusão da Terapia de Estimulação Elétrica Transcraniana (ETCC) na Neuro Sleep Klinik. Seria uma alternativa benéfica para pacientes epilépticos durante o sono?
Dr. Callejas: Sim. Atualmente, há áreas de investigação sobre como melhorar, inclusive o sono, em outras doenças neurodegenerativas usando Estimulação Transcraniana Direta. E há também muitas linhas de pesquisa em bastantes partes do mundo, incluindo o México, sobre como a Terapia de Estimulação Transcraniana Direta é benéfica para pessoas com epilepsia. Isso nos permite formular ambas possibilidades, ou seja, este novo equipamento, que nos possibilita fazer o que chamamos de “montagens de alta definição ou altamente selecionadas”, nos deixa, ou deixará, aplicar terapias durante o sono em pessoas com epilepsia usando estimulação elétrica.
Acho que é parte do que está por vir e estaremos atentos sobre como isso se desenvolve, mas é algo que já estamos implementando no Neuro Sleep Klinik.