O Dr. Thomas Penzel, um dos grandes especialistas em medicina do sono, relata alguns aspectos de sua trajetória profissional, desde o desenvolvimento da sua primeira clínica do sono na Alemanha até as pesquisas pioneiras que conduz na área médica. Segundo o Dr. Penzel, a apneia do sono persiste como um problema pouco relatado: as pessoas se sentem inseguras em explicar para os médicos que possuem problemas no sono.
Dr. Penzel comenta, ainda, as principais descobertas acerca dos métodos de registro de sono e as consequências cardiovasculares provocadas por distúrbios no sono. Diferencia, por fim, o simples ronco da apneia do sono, que se caracteriza, por exemplo, pelo afundamento do tórax ou pela presença de outros elementos obstrutivos.
Neurovirtual News: O Dr. poderia nos contar brevemente sobre seu trabalho e sua carreira?
Dr. Thomas Penzel: Comecei com minha carreira na medicina do sono em 1982, na Universidade de Marburg. À época, eu estudava física e o laboratório do sono, que ainda estava em construção, precisava de uma pessoa para programar os computadores, instalar o hardware e organizar o laboratório. Era preciso programar não apenas o EEG, mas outros aparelhos de pressão arterial, o ECG e demais equipamentos relativos a variáveis autônomas do sistema nervoso.
NN: Em 1982, o Dr. fundou o primeiro laboratório do sono na Alemanha, na Universidade de Marburg, e, desde então, os avanços são notórios. Qual foi, portanto, a contribuição deste primeiro laboratório para a medicina do sono na Alemanha?
Dr. Thomas Penzel: O Laboratório do Sono em Marburg foi um dos primeiros laboratórios desta natureza na Alemanha, talvez até mesmo na Europa, que tentam combinar a medicina do sono tradicional, derivada da neurologia, e a psiquiatria, já que muitas pessoas com problemas para dormir reclamam de manifestações físicas como apneia, hipertensão durante o sono, ou outros problemas do sono. Portanto, a primeira contribuição foi a incorporação de um laboratório do sono em uma clínica médica.
NN: Como a tecnologia tem contribuído para o diagnóstico e o tratamento de distúrbios do sono? No final do ano, em um artigo sobre o assunto, você abordou a possibilidade de utilizar modernas tecnologias para realizar uma avaliação do sono. Você poderia compartilhar alguns pontos sobre isto?
Dr. Thomas Penzel: Sim, acredito que fizemos algumas descobertas interessantes. Uma delas é no campo dos distúrbios relacionados à apneia do sono, como uma desordem tão predominante. Essa descoberta resulta de avanços tecnológicos, os quais talvez possam beneficiar outros pacientes, pois é de fácil implementação. Observamos, ainda, que os médicos estão se conscientizando sobre este problema e realizando grandes estudos epidemiológicos; pode-se perceber a presença de uma taxa de 30 a 40% de apneia. É surpreendente pensar que pelo menos um terço da população sofre de apneia. Se este for o caso, não podemos considerar isto uma desordem, mas uma variante normal. Entretanto, sabemos, a partir de cuidadosos estudos, que a apneia traz grandes riscos à saúde. Pessoas que sofrem de apneia morrem mais cedo.
Se considerarmos, todavia, outros estudos da apneia do sono na China, na Índia, na Austrália, onde eles apenas recrutaram pessoas na rua, diagnosticaram a apneia do sono – em um número muito alto – e depois realizaram o tratamento com cpap, mas não encontraram efeitos relevantes do cpap com relação a problemas vasculares, infere-se que se você simplesmente escolhe as pessoas, a taxa de apneia do sono é muito alta, e para muitas, o tratamento não produz efeitos benéficos. Acreditamos que hoje em dia há pacientes que apresentam apneia, porém esta condição não traz problemas para sua saúde, e outros têm tipos graves de apneia que podem causar falecimento precoce. Portanto, o grande desafio é como identificar estas pessoas. Assim, na nossa opinião, a medição da apneia (assim como a medição da pressão sanguínea) é benéfica, e nem todos os que sofrem de pressão arterial elevada ou de apneia precisam de tratamento imediato. O desafio, portanto, consiste em identificar os grupos de risco e que realmente necessitam de tratamento, afim de poupar gastos desnecessários em cpap para 30% da população.
NN: Com base em sua pesquisa anterior, você teria alguma ideia sobre qual tipo de apneia é capaz de afetar ou não o bom funcionamento do coração?
Dr. Thomas Penzel: Acreditamos que, anteriormente, as pessoas sabiam o que fazer. Quem eram os pacientes e por que todos os estudos mostraram que havia um benefício no diagnóstico e no tratamento? Isso ocorre, pois, as pessoas já sofriam com isso, e sentiam a necessidade de ir ao hospital. Elas tinham outras queixas, as quais não poderíamos tratar, porém, entre as pessoas que sofriam de apneia, o tratamento e o subsequente estudo mostrará o seu benefício. Se você simplesmente recrutar pessoas nas ruas, este efeito será diluído e será nulo. Acredito, então, que para identificar fatores de risco como hipertensão ou cardiovasculares, talvez problemas mentais, problemas de sono, sonolência ao volante, problemas de concentração e cognitivos, todos eles em conjunto, você poderia certamente identificar perfis de risco, o que nos auxilia na identificação das pessoas as quais o tratamento da apneia pode, de fato, resolver seus problemas.
NN: Na Europa, em geral, podemos dizer que tivemos avanços significativos na medicina do sono, em sua opinião? Qual é a maior queixa entre os Alemães, por exemplo? Há algum acontecimento recente na medicina do sono, que gostaria de compartilhar?
Dr. Thomas Penzel: Bom, sabemos que problemas do sono não são atraentes e também não é muito agradável que as pessoas saibam disso. Isso também acontece com as doenças ocupacionais, então por que as pessoas se voluntariam para o tratamento? Elas pensam: “Ah… é um problema da coluna, do coração”… outros problemas. Elas nunca dizem que dormem mal, ou que dormem pouco. Este é um sintoma que não é comunicado, é um desafio, essa é uma das queixas em que as pessoas dizem “Ah… tenho tantos problemas… a falta de sono, a insônia, ou não me sinto descansado”. Problemas como o excesso de sono não são reconhecidos pelo sistema de saúde. Esta é uma das queixas, reconhecer problemas de sono, diagnosticá-los adequadamente como distúrbios, e então encontrar o tratamento adequado. Encontrar quem sofre disso e quem pode se beneficiar desse tipo de tratamento.
NN: Você gostaria de dizer mais alguma coisa sobre a pesquisa clínica?
Dr. Thomas Penzel: Uma pesquisa relacionada principalmente com a apneia e com os casos de sonolência detectou que esse é um problema geral de desenvolvimento da sociedade, com o estresse das pessoas nas grandes cidades. Digamos, por exemplo, que o meu dia seja mais eficiente na parte da manhã, a rotina movida pelo relógio, o qual aponta para inúmeras tarefas e, ainda assim, eu tenho que trabalhar de forma eficiente, e à noite devo ir embora e ter um bom sono. Espera-se que eu vá para a cama, e feche os olhos e que isso simplesmente me faça dormir imediatamente; só que isso não funciona assim, especialmente quando envelhecemos, há mais preocupações, e é por isso tudo que os pacientes se queixam de dormir mal. Portanto, o problema da insônia também está aparecendo muito mais em nosso hospital do sono, e isso nos diz muito sobre o fato de que precisamos nos educar com relação ao sono e que o tratamento leva tempo e as mudanças não tem efeito imediato. Uma vez que não podemos tornar o sono mais eficiente, devemos nos dar um tempo e ficar calmos, para que o sono venha. Portanto, esta é uma importante questão enfrentado em nosso hospital do sono.
NN: O doutor é um acadêmico premiado em diversas publicações. Parte de sua pesquisa tem como foco os novos métodos de registro de sono e as consequências cardiovasculares dos distúrbios do sono. Especificamente, do que tratam os mais recentes estudos neste campo?
Dr. Thomas Penzel: Começarei pelos assuntos que já foram apresentados em meu livro, já que naquele momento não havia nenhum hospital do sono em medicina interna. Nenhum… zero. O primeiro desafio foi construir algo, começamos pelo laboratório de cateterismo cardíaco para instalar amplificadores ECG, juntamente com os amplificadores de pressão arterial para construir o primeiro laboratório do sono, e registrar o sono dos pacientes. Este foi o laboratório o maior desafio foi criar equipamentos para fazer mais registros, em 1984, começamos com o HST, devido à necessidade de fazer estudos de sono, naquela época havia grandes desafios; como não tínhamos a tecnologia digital portátil, possuíamos apenas gravadores de fita. Primeiramente, introduzimos aparelhos eletrônicos para a codificação PCM a fim de digitalizar sinais em movimento; em seguida, colocamos vários canais nas fitas de 4 canais, e com isso fomos capazes de gravar em até 8 canais (ECG), registrar respiração em 2 canais, CO2 e O2.Tínhamos, portanto, 5 canais diferentes e os gravamos com uma faixa de tempo para que pudéssemos sincronizar tudo com este HST. Este dispositivo era chamado Maleta Marburg, Cofre Marburg. Posteriormente, surgiu o primeiro gravador digital, chamado (“messam”). Algumas pessoas ainda utilizam este dispositivo, e ele foi o primeiro sistema digital, mais tarde, outras pessoas em Stanford começaram a realizar gravações digitais. Essa foi uma das grandes contribuições daquela época. As últimas contribuições, de alguma forma, ainda estão ligadas à esta. Depois de estabelecer o laboratório do sono em Marburg, auxiliamos no desenvolvimento da tecnologia da medicina do sono, muito foi emprestado da neurologia, da epilepsia, de todas as partes diferentes da pesquisa cardiovascular, mas as estatísticas fixas somente podem ser feitas em um laboratório do sono estabelecido. Novamente, os fins justificam os meios e os meios se relacionam na forma como poderíamos levar estas sofisticadas tecnologias para casa, este é último desenvolvimento: como fazer um diagnóstico de apneia do sono com sensores sofisticados de forma doméstica.
NN: A Maleta Marburg faz os registros no papel para ECG, ou no papel no de 8 canas no interior da maleta?
Dr. Thomas Penzel: Sim, tivemos uma bateria recarregável, isso foi muito importante. Havia aqueles gravadores que poderiam gravar durante uma hora, e se eles funcionassem a uma velocidade mais lenta, poderiam gravas até 24 horas. Os sinais, por sua vez, foram digitalizados e posteriormente condensados, de como que pudemos obter essa codificação, o que nos permitiu armazenar vários sinais em uma faixa. Então, ao multiplexar, os sinais digitais, e depois colocá-los novamente de forma analógica na fita (fita magnética).
NN: E foi sua equipe em Marburg que desenvolveu tudo isso?
Dr. Thomas Penzel: Sim, juntamente com alguns engenheiros eletrônicos que desenvolveram a técnica para satélites, nós tínhamos um engenheiro eletrônico brilhante (ele ainda está conosco) e ele desenvolveu um satélite de transmissão. Para sua confecção, foram empregadas sofisticadas tecnologias para digitalização, finalizando com um microprocessador 65 ou 2 microprocessadores – o microprocessador que também foi usado nos computadores Apple 2 e os aparelhos da Atari, disponíveis para nossos computadores naquele momento.
NV: Você publicou recentemente um estudo dos efeitos da idade em pacientes com distúrbios do sono… quais foram as conclusões principais desta análise e como podemos utilizar estes dados no tratamento de cada grupo avaliado?
Dr. Thomas Penzel: Bem, quanto mais vamos ficando velhos, mais fragmentado é o nosso sono. Vemos que a continuidade dos estágios do sono muda. Assim, mesmo que as pessoas idosas ainda tenham um sono profundo, seu sono fica mais fragmentado. A ideia dessa pesquisa não era apenas buscar a porcentagem de cada estágio do sono, mas descobrir como ocorre essa fragmentação e quantificá-la, observamos as transições de um estágio do sono para outro e preparamos estatísticas sobre isso. Com isso, conseguimos separar os resultados por faixas etárias, além de investigar se os indivíduos apresentam algum distúrbio do sono, para, subsequentemente, apontar como o sono muda em pessoas com insônia e apneia do sono. Nota-se que, em pacientes com insônia, não há tantas fragmentações e mudanças, apenas entre a vigília e o sono leve, enquanto os pacientes com apneia do sono, emitem ondas lentas e dormem profundamente, além de apresentarem mais transições do sono profundo para estágios de sono mais leves. Portanto, as características das transições do sono são diversas e a ideia dessa pesquisa é encontrar esses fenótipos. Atualmente, as regras AASM (ininteligível) não refletem isso, precisamos de uma nova tecnologia para registrar o sono; esse é esse o objetivo desta pesquisa.
NN: Agora que estamos falando sobre a idade dos pacientes, devemos todos manter uma cópia de nossas polissonografias, para que possamos fazer a comparação no futuro? Isso seria útil?
Dr. Thomas Penzel: Isso é absolutamente útil. O perfil do sono, o hipnograma é como uma impressão digital, e muda com a idade e, portanto, você está totalmente certo. Faria sentido registrar essas informações durante toda a vida e observar se há um desenvolvimento apenas com o envelhecimento ou se as mudanças ocorrem por conta de algum distúrbio. Porém, até o momento isso não é reconhecido. Quando mostramos a nossos tecnólogos o perfil de um paciente, eles dizem “oh, eu reconheço esse paciente”. Funciona realmente como uma impressão digital. Você pode identificar as pessoas somente pela observação do hipnograma do estudo.
NN: Em uma entrevista recente em um programa de TV alemão, você falou sobre o ronco em crianças. Quais suas causas, o que deve ser observado pelos pais, e qual o momento para uma investigação mais profunda?
Dr. Thomas Penzel: O ronco é um sintoma muito importante. O ronco também é relatado em crianças, ainda mais com a crescente obesidade, nota-se o aumento da frequência de ronco em crianças O ronco por si só não é apneia do sono; é preciso ouvir com atenção e verificar a natureza do ronco e investigar: trata-se das vibrações de tecido colapsado, ou é somente um movimento de tecido? Deve-se observar se a criança apresenta também afundamento do tórax ou se há outros elementos obstrutivos. Se é apenas um ruído, é necessário aconselhar os pais a consultar uma ENT, talvez seja algo que possa ser corrigido facilmente. Este é o meu conselho.
NN: E com relação aos adultos? Quando o ronco se torna uma coisa perigosa?
Dr. Thomas Penzel: Ocorre de forma parecida. Mas, geralmente em adultos não há incisão no tórax (há ossos e tudo o mais), eles mais robustos, então, para os adultos, ouvimos o intervalo de ronco, é comum observar algo característico da apneia obstrutiva do sono, um ronco intermitente. Assim, uma pessoa ronca, para de roncar, tem uma pausa respiratória (uma apneia), sem ronco, e então tem esse ruído explosivo de ronco novamente. Há um padrão muito típico de ronco. Uma vez que sabemos que todo o corpo e o sono também envelhecem, as vias aéreas superiores ficam mais flexíveis, então (remover) o desenvolvimento de ronco regular é mais ou menos normal, talvez não em todas, mas sim em muitas pessoas. Na maioria dos casos, também de acordo com a classificação, não é um distúrbio, é somente um incômodo para a pessoa que divide a cama com o paciente; com certeza é um problema, mas não é um problema para a pessoa que ronca. Apenas se deve procurar atendimento médico em caso de obstrução ou de apneia.