Em entrevista, Dra. Lucila Prado detalha o cuidado de distúrbios do sono em crianças
Especialista em Medicina do Sono, a Dra. Lucila Prado falou à Neurovirtual sobre os principais distúrbios que afetam as crianças e a melhor forma de diagnosticar e tratar esses pacientes, que exigem cuidados específicos.
Neurovirtual – Quais são os distúrbios do sono mais comuns entre crianças e quais os sintomas?
Lucila Prado – Dentre as crianças, temos que pensar nas várias idades. A prevalência do sono da criança depende da idade. Temos uma queixa muito comum dos pais, que é “o meu filho não dorme”. Isso existe em todas as idades, desde o recém-nascido, porque a criança tem cólica, porque está com fome, porque está desconfortável, até aquelas crianças que são um pouco maiores, que são resistentes a ir para a cama, querem ficar vendo televisão, jogar videogame, mexer no celular etc. E os adolescentes, que também entram na faixa etária de criança e que gostam de ir para as “baladas”, de dormir mais tarde e acordar mais tarde. Então, o sono insuficiente, os distúrbios relacionados à higiene do sono são mais comuns em crianças. Dentre as doenças, realmente, de sono da criança, a apneia obstrutiva do sono é uma das mais prevalentes. A criança ronca, ela não necessariamente tem sonolência excessiva diurna… pelo contrário, tem dificuldade no aprendizado escolar. É uma criança que não se concentra, que tem déficit de atenção e que não consegue aprender. Essa é a consequência mais importante da apneia do sono na criança.
NV – Quais as principais causas dos distúrbios mais comuns nas crianças?
LP – Na apneia obstrutiva do sono, a causa mais comum é a hipertrofia, ou aumento, dos tecidos adenoidianos. Então, o aumento da adenoide e da amídala, que causam, obviamente, uma obstrução do fluxo de entrada do ar, levando a criança a ter ronco e apneia. Nas causas de higiene do sono, a principal é a falta de limites da criança, a falta de se colocar horários apropriados de dormir, de se deitar, de acordar, levantar… É uma criança, mais ou menos, sem limites. As causas de insônia, entre aspas, da criança são praticamente os pais ou os cuidadores.
NV – A quais sinais os pais e os médicos devem ficar atentos para identificar possíveis distúrbios do sono das crianças?
LP – O mais importante é a apneia obstrutiva do sono, que leva a um distúrbio de aprendizagem, déficit de atenção. Então, o mais importante é ver sinais noturnos de apneia do sono. O ronco é importante… A criança se mexe muito para deitar, para dormir, tem dificuldade… é um sono mais inquieto. Na parte respiratória, pela síndrome da apneia obstrutiva do sono na criança, há sintomas diurnos e noturnos. Os sintomas noturnos são ligados aos barulhos que a criança faz na respiração, principalmente o ronco e a agitação durante o sono. Os sintomas diurnos: o déficit de aprendizado, a hiperatividade… a criança não para. É muito mais do que a sonolência diurna, que é muito comum no adulto. É tudo mais relacionado à parte de atividade na criança. Sintomas outros de insônia, então, são a resistência que a criança tem para ir para a cama, fica querendo brincar, ela troca o dia pela noite. Isso tudo são, obviamente, queixas muito importantes dos pais.
NV – Os distúrbios do sono costumam afetar de que forma o desenvolvimento das crianças intelectual e fisicamente?
LP – Como eu disse, o sono é importante para a criança. É durante o sono que a criança cresce e memoriza o que aprendeu durante o dia. Se ela tiver um sono inadequado ou um sono insuficiente, ela vai ter dificuldade para memorizar o que aprendeu durante o dia. Então, você já tem uma criança que tem uma dificuldade de aprendizado, porque ela tem uma doença do sono, e ainda coloca um déficit de sono em cima dela. Haverá uma dificuldade de essa criança memorizar e guardar as coisas que aprendeu durante o dia.
NV – Como a doutora vê a área do sono atualmente?
LP – É uma área relativamente nova, apesar de o sono ter preocupado toda a população desde a Antiguidade. Mas ela começou a se desenvolver agora, nos anos 80, e está entrando no currículo dos médicos, nos currículos dos residentes. Nós, na Unifesp, temos residência em Medicina do Sono. Nós estamos desenvolvendo os especialistas, desenvolvendo os equipamentos, o método de anamnese e estamos colocando, cada vez mais, dentro da anamnese médica, a anamnese do sono. Perguntar os horários que as pessoas dormem, as quantidades de sono, as queixas que eles têm durante o sono é importante para podermos fazer o diagnóstico e avançar na pesquisa de distúrbios do sono.
NV – Existem procedimentos diferentes para um correto diagnóstico entre atendimento a crianças e atendimento a adultos?
LP – Existe. As causas de apneia do sono na criança são diferentes, as causas de distúrbios do sono na criança são diferentes. Os adultos têm sensores maiores para a cabeça, os eletrodos, e as crianças, pequenos. É preciso ver as diferentes idades, as diferentes circunferências abdominais. Então, os critérios para diagnóstico de distúrbios do sono na criança, dentro da polissonografia, também são diferentes. É uma especialidade dentro de uma outra especialidade, o sono da criança.
NV – Os protocolos da AASM auxiliam nos procedimentos para esse tipo de paciente?
LP – Dentro da AASM, há os protocolos de adultos e, dentro deles, toda a parte da criança. Então, é diferente, sim. Você tem critérios diagnósticos diferentes, apneia do sono diferente na criança, tudo diferente. A criança não é um adulto pequeno, com certeza.
NV – Quais os principais desafios da área do sono no Brasil, seja do ponto de vista do diagnóstico quanto do tratamento?
LP – A Medicina do Sono deveria ser uma coisa preventiva no Brasil, então, deveria ser feito, em escolas e em programas de saúde básica, a anamnese do sono, tanto de crianças quanto de adultos, no sentido de prevenir distúrbios de sono, e não tratá-los mais futuramente, para conseguir fazer algo de importante em ambos. Prevenir a obesidade, prevenir a hipertensão… O diagnóstico de polissonografia é mais barato para os pacientes. A anamnese de Medicina do Sono é muito abrangente, dura muito mais que uma hora para perguntar em uma primeira consulta. Em uma criança, dura até duas horas, porque você tem que perguntar todos os costumes, os hábitos da criança. O tratamento, às vezes, também é demorado, porque é preciso fazer uma conscientização dos pais, dos horários de dormir… e os adultos também. Então, é necessário mudar muito a cabeça das pessoas, em termos de organização de horário e de colocar o sono como se fosse uma dieta. Você tem que se nutrir bem e tem que dormir bem. Porque, afinal, você passa um terço da sua vida dormindo. São oito horas de sono. Contando que você viva 90 anos, são 30 anos dormindo. Esses 30 anos têm que ser, também, muito bem vividos e muito bem acompanhados, porque faz diferença no restante do dia, com certeza.