Neurovirtual News: O Doutor poderia se apresentar e contar um pouco da sua trajetória profissional?
Geraldo Rizzo: Sou neurologista, especialista em medicina do sono. Graduei-me em 1976 na UFRGS e fiz residência em medicina interna e neurologia também aqui no Sul. Posteriormente, realizei um fellowship em neurologia na Duke University, na Carolina do Norte, EUA.
Anos mais tarde, em um dos tantos congressos de neurologia nos Estados Unidos, tive a oportunidade de conversar com o Dean da Harvard University, o qual me incentivou a observar outras áreas da medicina, sobretudo a medicina de família e a medicina do sono. Reputei que medicina de família não era exatamente o meu ramo, e, como vocês bem sabem, o sono é uma das funções do cérebro, de modo que considerei a medicina do sono mais relacionada com a neurologia.
Com esse ímpeto, iniciei um treinamento em Memphis, no Tennessee, com o Doutor Helio Leme e, a partir da década de 1990, construímos e iniciamos um laboratório de sono aqui em Porto Alegre, no Hospital Moinhos de Vento, onde ainda trabalho. É um laboratório pequeno que atualmente conta com dois leitos. O objetivo é proporcionar um atendimento bem personalizado e de qualidade aos nossos clientes, além de realizar um pouco de pesquisa clínica. A parte de pesquisa também é bem reduzida pelo tipo de clientela que temos. Em suma, essa foi a minha trajetória como neurologista até chegar na medicina do sono.
Neurovirtual News: Qual a principal dificuldade que médicos e pacientes encontram para tratar distúrbios de sono no Brasil?
Geraldo Rizzo: Acredito que, se eu tivesse que dar uma resposta a essa pergunta, a principal dificuldade de médicos e pacientes no tratamento de distúrbios de sono não seria a falta de laboratórios e tampouco a falta de médicos, mas a desvalorização do sono. Atualmente, as pessoas se preocupam com dieta, tentam manter o peso, preocupam-se com atividade física, contratam um personal trainer… Todo mundo tem um profissional para cuidar do seu físico, mas pouquíssimas pessoas se preocupam com o sono.
Vivemos em uma sociedade 24 horas; no Brasil, mais do que em lugares desenvolvidos, as coisas são todas tarde. Em um bom restaurante, dificilmente jantamos antes das 22h, um show não tem início antes da meia-noite, assim como as discotecas e as baladas; tudo é para afastar o sono. Portanto, essa desvalorização do sono é o principal empecilho no tratamento ou no reconhecimento dos distúrbios do sono, tanto de médicos como de pacientes.
Neurovirtual News: Como o Doutor avalia as políticas públicas e pesquisas na área de medicina do sono no Brasil?
Geraldo Rizzo: Bom, esses são dois assuntos que, na minha perspectiva, são muito incipientes. A pesquisa em sono no Brasil ainda é pequena, existem poucos lugares que fazem pesquisa clínica. E mesmo esse tipo de pesquisa é muito mais clínica do que voltada à área básica.
Quanto às políticas públicas, o controle de motoristas obesos ou motoristas com tendência à apneia do sono ocasionou grande esperança em nós, médicos do sono. Nos casos em que há acidente que possa ter sido causado por conta de sono no volante, o médico atendente deve fazer uma série de exames, entre os quais a polissonografia. Entretanto, o que se observa é que são raríssimos os médicos do trânsito e dos locais para renovação de carteira que fazem uma anmanese do paciente voltada para a área do sono. O sono no volante é uma calamidade, chega a atingir 30% dos motoristas, mas ainda há pouco investimento voltado a avaliar um indivíduo adequadamente e prevenir um acidente secundário à sono no volante. Portanto, considero que as políticas públicas são também muito incipientes na área do sono.
Neurovirtual News: O Doutor acredita que a maior parte da população tem acesso a tratamento de distúrbios do sono?
Geraldo Rizzo: Por um lado, há que se considerar que grande parte da população brasileira não tem acesso à educação e tampouco à saúde em geral, muito menos à medicina do sono. Por outro, eu diria que nas grandes cidades há condições da população ter acesso a centros de tratamento de distúrbios do sono.
Então qual é o problema? Não basta ter um centro de distúrbio do sono, acredito que somente 1 em cada 10 indivíduos com queixa de sono procura um médico para tratar do problema. Não há demanda expressiva para tratar de distúrbios de sono. A maior procura está voltada para o tratamento de distúrbios respiratórios de sono, um dos transtornos em que não é necessário equipamento. Com uma boa anamnese e boa avaliação do médico num consultório, resolve-se a maioria dos distúrbios, sem equipamento.
Entretanto, outros distúrbios precisam de equipamento e para esses há uma demanda reprimida. Acredito que justamente isso possa ter originado esse tipo de pergunta: se a maioria das pessoas têm acesso a exames de sono. Eu diria que não. Mas elas têm acesso a médicos que podem lidar com o sono, contudo, conforme já argumentado, elas não procuram.